
Candidato à reeleição, o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), é investigado pela PF por suspeita de receber propina para favorecer uma empresa em licitações. O dinheiro teria sido entregue a Dulce Almeida, irmã do prefeito e secretária municipal de Educação
Um relatório do MPF (Ministério Público Federal), ao qual o UOL teve acesso, aponta propina de R$ 100 mil. O montante teria sido entregue à irmã do prefeito por José Antonio Marques, sócio da Tumpex, empresa que faz a coleta do lixo em Manaus.
Em troca, o empresário teria recebido ajuda para vencer uma licitação de R$ 6 milhões para a Secretaria Municipal de Infraestrutura. Tratava-se de uma compra de sacos de ráfia, usados para transportar pedras, areia, entulho e outros materiais.
“Nesta conversa, o investigado [José Antonio] afirmou que teria entregado R$ 100.000,00 (cem mil reais) para Dulcineia Ester Pereira de Almeida, atual secretária municipal de Educação de Manaus e irmã do prefeito de Manaus/AM, David Almeida, por possíveis favorecimentos em licitações.”
Trecho do relatório do MPF

Imagem: Reprodução Instagram
Áudios apontam vazamento de informação privilegiada
José Antonio teria se encontrado pessoalmente com o prefeito no Hotel Cassina, quando ouviu que sua situação seria resolvida. A informação consta no relatório ao qual o UOL teve acesso e foi obtida pelos agentes da PF por meio de interceptação telefônica.
Em ligação em 24 de março de 2022, o sócio da Tumpex mencionou a outro empresário que teria recebido informação privilegiada. Os investigadores citam que o número de lotes da licitação era de conhecimento de José Antonio muito antes da publicação do edital, o que viria a ocorrer em 4 de abril.
A geolocalização dos celulares mostra que José Antonio esteve no mesmo lugar que o marido da sobrinha do prefeito. Pedro Thadeu de Moura é suspeito de fazer parte do suposto esquema. Ele é gerente de um banco onde o sócio da Tumpex “efetuava saques em espécie” com frequência.
A Prefeitura de Manaus informou que o Hotel Cassina é um prédio da administração municipal. Alegou que várias reuniões ocorrem no local e que o empresário nunca venceu licitações.
Pedro Thadeu de Moura não foi encontrado. O espaço está aberto a manifestações. O texto será atualizado em caso de posicionamento.
“O investigado [José Antonio] confirmou que teria participado de uma reunião com o prefeito de Manaus no Hotel Cassina e [entrado] num lote de areia e num lote de brita, se referindo a licitações para o fornecimento destes materiais.”
Trecho do relatório do MPF

Mais indícios de vantagens ilícitas
A investigação apontou que o sócio da Tumpex teria recebido vantagens em mais duas licitações. José Antonio teria dito à irmã do prefeito que teria conhecimento “de 8 ou 12 lotes de compras da Secretaria de Infraestrutura”. Ele teria manifestado interesse nos contratos para R$ 19 milhões em pedra brita e R$ 16 milhões em areia.
A Polícia Federal apurou que a compra da brita de fato ocorreu. O contrato foi fechado no valor de R$ 20 milhões, valor superior ao estimado pelo sócio da Tumpex.
Segundo o investigado, ‘a areia é ainda mais fácil de fazer cambalacho’.
Trecho do relatório do MPF
Pagamento antecipado
A investigação da PF aponta que o prefeito teria recebido propina antes mesmo de assumir o cargo. Em outra ligação, o sócio da Tumpex foi flagrado contando que pagou o montante à irmã do prefeito em dezembro de 2019.
De acordo com o inquérito, os R$ 100 mil foram desembolsados depois que David Almeida venceu a eleição, mas antes de assumir a prefeitura. As escutas detalham que José Antonio entregou duas remessas de R$ 50 mil a Dulcineia, à época coordenadora do Fundo Manaus Social.
Ele teria sinalizado intenção de fechar contratos com a Secretaria Municipal de Educação, comandada pela irmã do prefeito. O documento do Ministério Público Federal não aponta licitações vencidas por José Antonio nessa secretaria. Mas há menção a compras na Secretaria Municipal de Infraestrutura.
“Eu [José Antonio] fui e arrumei 100 mil [reais] para ela [Dulcineia Almeida, irmã do prefeito’. Eu juro por Deus que eu arrumei. Aí eu arrumei os 100 mil para ela aí foi quando, foi… depois que ela assumiu, eu lá com ela. Lá na secre.. ela trabalha na prefeitura. Eu duas vezes fui lá com ela.”
Sócio da Tumpex em conversa gravada pela PF
Indícios de envolvimento do prefeito
O relatório do Ministério Público Federal enumera situações que reforçam as suspeitas:
A geolocalização do celular mostra que o sócio da Tumpex esteve na área do Hotel Cassina na data do suposto encontro com o prefeito David Almeida;
Os editais de licitação de brita e areia foram de fato elaborados em março de 2022, como mencionou o prefeito;
O empresário cita a entrega de R$ 100 mil à irmã do prefeito, mas não há negócio entre eles que justifique o pagamento.
O MPF vê que a menção não foi casual e o envolvimento do prefeito deve ser apurado. O caso foi enviado à Justiça Federal. O procurador pediu aprofundamento das investigações sobre as licitações envolvendo a Tumpex.
O caso, portanto, avança para além da mera citação ao nome [do prefeito de Manaus].
Trecho do relatório do MPF
Notas frias e sonegação de impostos
A Polícia Federal chegou ao prefeito David Almeida enquanto apurava suspeita de sonegação pela Tumpex. Os investigadores investigavam contratos fictícios para gerar notas frias para a empresa de coleta de lixo.
A Tumpex teria deixado de pagar R$ 120,7 milhões em impostos entre os anos de 2016 e 2019. O não recolhimento seria possível porque as despesas não realizadas resultariam em notas frias que serviriam para a Tumpex ter direito a descontos em tributos.
Além da empresa de coleta de lixo, outra empresa chamada Soma teria sido usada no suposto esquema. Ela atua no ramo de terraplanagem e tem o mesmo quadro societário e endereço que a Tumpex.
Ambas receberam pagamentos milionários da Prefeitura de Manaus entre 2016 e 2019:
R$ 496 milhões para a Tumpex;
R$ 177,6 milhões para a Soma.